Marcar hora para transar pode contrariar a lógica do desejo, mas é mais comum do que parece. O sexo previamente agendado é o habitual para 41% dos chineses que participaram de um estudo que ouviu mais de 5.000 pessoas em 26 países. O Brasil está em segundo lugar na lista, com 12% dos entrevistados estipulando horário para a relação sexual.
O amor com hora marcada.
No começo aquilo parecia apenas o resultado de uma atitude prática, racional. Profissionais ambos, ele médico, ela advogada, e sempre às voltas, ambos, com uma agenda sobrecarregada, deram-se conta de que os encontros teriam de ocorrer em horários rigorosamente marcados. O que não deveria ser um obstáculo para a paixão que ambos sentiam, que parecia firme e duradoura. De fato, no começo foi assim. Encontravam-se em um hotel, no centro da cidade, em dia e hora previamente estabelecidos. O tempo que podiam passar juntos em geral não ultrapassava 45 minutos, aparentemente mais que suficientes.
Mas então uma sutil mudança foi se operando nela. Mulher fogosa, continuava motivada pelo desejo; porém mostrava-se cada vez mais fixada no tempo, no controle do tempo. O relógio -um pequeno despertador que sistematicamente extraía da bolsa e colocava sobre a mesa de cabeceira- passou a mobilizar boa parte de sua atenção. Por cima do ombro nu do parceiro, olhava constantemente o mostrador, acompanhando a marcha implacável, porém fascinante, dos ponteiros.
De início ele não se deu conta do que sucedia; mas então ela disse que precisavam organizar melhor a agenda do encontro, em função, claro, do pouco tempo de que dispunham. Mulher racional, extremamente prática e disciplinada, tinha uma proposta nesse sentido. Extraiu da bolsa uma folha de papel e pôs-se a ler o que se constituía num verdadeiro e esquemático regulamento do encontro. A primeira e fundamental condição era a pontualidade. Teriam de chegar ao hotel exatamente na hora prevista. O tempo para tirar a roupa seria de três minutos. Os cinco minutos seguintes seriam destinados a carícias prévias sem as quais (isto ela admitia, ainda que com relutância) o coito poderia se tornar muito brusco. Estavam previstos cinco beijos, cada um com a duração de 15 segundos; para palavras amorosas, seis minutos e assim por diante. O ato sexual propriamente dito duraria, isso de acordo com trabalhos especializados, 11 minutos. Depois, banho, vestir-se, sair -tudo cronometrado.
Poderia funcionar bem. Mas em matéria de pontualidade ele não chegava aos pés dela. Inevitavelmente, e também por causa do consultório movimentado, atrasava-se, o que, inicialmente, ela aceitou: afinal, amavam-se. Mas quando os atrasos se tornaram constantes, ela começou a impor sanções: corte nas carícias prévias, diminuição do número de beijos. Acabaram rompendo. Ele agora tem uma nova namorada, menos fogosa, porém menos preocupada com o relógio. No último Dia dos Namorados, ela lhe deu de presente uma ampulheta, que ele conserva sobre a mesa do consultório. De vez em quando, fica a olhar a areia escorrendo, o que lhe provoca interessantes reflexões sobre a transitoriedade da existência.
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MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha São Paulo, publicado 18/06/2007
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MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha São Paulo, publicado 18/06/2007
2 comentários:
"Tá na hora benzinho".
É ruim, hein?
Aqui em SP, então, onde todo mundo se queixa de falta de tempo, esse índice deve chegar, por baixo, a uns 30%, não acham? A melhor história que conheço do gênero é a do amigo taxista A.J.S., aqui da Bela Cintra, Consolação. Durante muito tempo, conta o mineiro, ouvia a música-tema do Fantástico e já ficava nervoso. Era o horário domingueiro sagrado de fazer o dever de casa com a patroa. “Nos últimos tempos era um sacrifício medonho, era sofrido, mas eu cumpria direitinho com a obrigação”, relembrou ele ontem, enquanto ouvia no rádio a notícia do agendamento sexual. Assim como o conterrâneo Ziraldo, o motorista gaba-se de nunca ter brochado nos seus 62 anos de vida.
Xico Sá
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