Há três anos a doação de órgãos despenca. Em 2004, foram 7,6 a cada milhão de pessoas. Este ano, 5,4. Existem razões para o apagão da generosidade. A mais cruel: a recusa de familiares. Muitas vezes, a pessoa se declara doadora. Mas pai, mãe, irmão não autorizam a retirada de parte do corpo do ente querido. Entregam à terra rins, pele, córneas, coração que ajudariam outros a viver.
A situação assusta. Em resposta, consciências se mobilizam. A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos antecipou a campanha nacional para alertar a população. O Jornal Nacional divulga uma série de reportagens sobre adultos e crianças que sobrevivem graças à bênção de um desconhecido. Jogadores do Flamengo e Vasco entraram em campo com camisetas de apoio à doação.
Há criaturas que são verdadeiro legado. Promovem a fraternidade. Harmonizam famílias. Atendem a milhares de carentes. Tudo anonimamente. Sem esperar pagamento ou homenagens. Os marxistas dizem que não existe autor de uma obra. O romance, o poema, a crônica, a composição musical são produções coletivas. A pessoa só é o que é graças à herança dos mortos.
Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro. Eis, segundo os chineses, o que justifica nossa passagem pelo mundo. Ninguém tem um filho para mantê-lo eternamente a seu lado. Ninguém planta uma árvore para carregá-la no caixão. Ninguém escreve um livro para trancá-lo na gaveta. Filhos, plantas e livros são doações ao próximo.
Por que, então, sonegar um coração, um rim, uma córnea? Medo de ter a morte apressada? Com o rigor da lei, o risco se dilui. Talvez a negativa se deva à dificuldade de sentir a dor do outro. Há um truque para cair na real. É aplicar o princípio cristão "amar ao próximo como a ti mesmo". Não é um anônimo que está na sessão de hemodiálise. É meu filho. Não é um estranho que aguarda a córnea. É minha mãe. Não é um desconhecido que as queimaduras torturam. Sou eu. Eis o xis da doação.
Por: DAD SQUARISI
Fonte: Jornal do Commercio, 21/09/2007
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