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segunda-feira, 1 de outubro de 2007

A idade do amor



O que conta é o amor, e o amor não tem idade. Para mim, as rugas dela são belíssimas, inspiradoras mesmo

"Chinês processa mulher por ter mentido sobre a idade. Um chinês de 42 anos abriu um processo contra sua mulher porque ela mentiu sobre sua idade. "Ela me disse várias vezes que havia nascido em 1970. Eu só descobri, na hora do registro do casamento, que seu documento de identidade indicava como ano de nascimento 1960, ou seja, ela tinha cinco anos a mais do que eu", declarou o homem ante o tribunal. Folha Online, 18 de setembro de 2007


Jovem de 24 anos vai se casar com mulher de 82 na Argentina. Folha Online, 24 de setembro de 2007

MEU CARO AMIGO chinês: foi com muita surpresa e, devo dizer, desapontamento, que li no jornal a notícia sobre o processo que você está movendo contra sua esposa. Ela teria dito a você que havia nascido em 1970. Você descobriu que ela nasceu em 1960 e que tem cinco anos mais que você. Essa é a sua queixa. E a pergunta que lhe faço daqui, de Buenos Aires, na América Latina, é se você acha que realmente está certo.

Em primeiro lugar, você deveria se perguntar, meu caro amigo, a razão pela qual sua esposa mentiu para você. O casamento, como você sabe, deve se basear na mais absoluta franqueza, numa sinceridade sem limites. Se sua esposa faltou com a verdade, alguma coisa de errado existe aí. Essa coisa, você dirá, é o fato de ela ser mais velha que você, coisa que quis ocultar. O que me surpreende.

Você, meu amigo, faz parte de uma cultura milenar. Na China, tudo é antigo, tudo tem milhares de anos. Por que, então, essa obsessão com a juventude? Por que só casar com mulheres mais jovens? Falo-lhe por experiência própria.

Durante muito tempo, namorei uma mulher mais velha do que eu. Muito mais velha, aliás: eu tenho 24, ela tem 82. Poderia ser minha avó, você dirá. De acordo. Mas isso não tem a menor importância. O que conta é o amor, e o amor não tem idade. Para mim, as rugas dela são belíssimas, inspiradoras mesmo.

E há mais: a notícia sobre o seu caso só reforçou a minha disposição de casar. Posso mesmo dizer que você foi decisivo neste sentido. Pelo que lhe sou grato.

Sei que você em absoluto se comoverá com o que estou lhe dizendo agora. Daqui de longe, do outro lado do mundo, você me parece um homem frio, desprovido de sentimentos. Imagino até que você deva ter feito um cálculo de quanto quer receber, baseado no número de anos que sua esposa tem mais do que você. Você certamente pedirá uma determinada quantia por cada ano. E imagino a inveja que deve lhe dar a minha situação: processando a mulher com a qual vou casar você certamente ficaria milionário.

E agora dou-me conta de um fato que me entristece, caro amigo: eu estou pensando como você, estou fazendo os cálculos que você faria. Ou seja: sou tão mesquinho quanto você. Poderíamos até ser sócios neste empreendimento: casaríamos com mulheres mais velhas e depois as processaríamos, alegando termos sido enganados quanto à diferença de idade. Um negócio como qualquer outro, meu amigo.

Mas não, eu lutarei contra a tentação, eu não farei isto. Talvez por ter 24 anos, enquanto você tem 42. Talvez, envelhecendo, eu aprenda a ser cínico e implacável. Por enquanto, resigno-me a ser crédulo e romântico e acreditar que, como se dizia antigamente, o amor não tem idade.

MOACYR SCLIAR escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
01/10/2007

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