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quinta-feira, 15 de novembro de 2007

CELULAR E IPOD

O Estado de São Paulo
12 de nov. 2006


A tecnologia que nos isola
Thomas L. Friedman *


Cheguei numa noite dessas ao Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, e fui recebido por um motorista enviado por um amigo. O motorista segurava uma placa com meu nome, mas, ao me aproximar, notei que ele falava sozinho animadamente. Quando cheguei mais perto, percebi que ele levava um daqueles telefones sem fio preso à orelha e estava absorto na conversa. Apontei para mim mesmo como a pessoa que ele deveria receber. Ele acenou com a cabeça e continuou conversando com seu interlocutor.

Quando minha bagagem chegou, peguei-a da esteira; ele apontou para a saída, sem parar de falar, e o acompanhei. Quando entramos no carro, perguntei: 'Você sabe qual é o meu hotel?' Ele respondeu: 'Não.' Mostrei-lhe o endereço e ele voltou a falar ao telefone.

Depois que o carro começou a andar, percebi que havia um filme em exibição na tela do painel, que normalmente exibe o mapa GPS. Notei isso porque, entre seu falatório ao telefone e o filme, mal podia me concentrar. Ai de mim - eu estava no banco de trás tentando terminar um artigo em meu laptop. Depois de escrever tudo o que pude, peguei meu iPod e escutei um álbum de Stevie Nicks, enquanto ele continuou falando, dirigindo e assistindo ao filme.

Ao chegar ao meu hotel, refleti sobre nossa viagem: o motorista e eu estivéramos juntos por uma hora, fazendo, ao todo, seis coisas diferentes. Ele dirigiu, falou ao telefone e assistiu a um vídeo. Eu peguei carona, trabalhei em meu laptop e ouvi meu iPod. Só não fizemos uma coisa: falar um com o outro.

Uma pena. Ele devia ter muito a me dizer. Quando contei tudo isso a meu amigo Alain Frachon, um editor do Le Monde, ele gracejou: 'Aposto que a era dos correspondentes estrangeiros citando motoristas de táxi acabou. O motorista de táxi está muito ocupado para nos dar uma declaração!' Alain está certo. Vocês conhecem a velha história: 'Como meu motorista de táxi parisiense me disse sobre as eleições francesas...' Bem, podem esquecer essas colunas que começavam assim. Meu motorista estava ocupado demais para dizer oi, mais ainda para opinar sobre política.

Conto essa história porque ilustra algo que venho sentindo cada vez mais ultimamente - que a tecnologia nos divide tanto quanto nos une.

Sim, a tecnologia pode fazer o distante parecer próximo. Mas também pode fazer o que está perto parecer muito distante. Pelo que sei, meu motorista estava falando com os pais. Que maravilha! Mas isso significou a total ausência de diálogo entre nós dois. E estávamos a meio metro um do outro.

Quando relatei o acontecimento a Linda Stone, a tecnóloga que batizou a doença da era da internet de 'atenção parcial contínua' - duas pessoas fazendo seis coisas e dando atenção apenas parcial uma à outra -, ela observou: 'Somos tão acessíveis que chegamos a nos tornar inacessíveis.'

Não conseguimos encontrar o botão de 'desliga' em nossos aparelhos e em nós mesmos. Queremos usar um iPod não apenas para ouvir nossas músicas, mas também para bloquear o resto do mundo e nos proteger de todo aquele ruído. Estamos em todo lugar - menos no lugar onde realmente estamos fisicamente.

CELULAR E IPOD

Há um mês, estive em São Francisco e saí para uma caminhada. Estava parado num cruzamento com sinal, esperando para atravessar a rua, quando um homem praticando corrida e usando seu iPod apareceu a meu lado. Assim que o sinal abriu, ele disparou pela faixa de pedestres. Mas uma mulher num carro - cruzando um sinal amarelo - quase o atropelou antes de brecar.
A mulher segurava um telefone celular na orelha direita e dirigia com a mão esquerda. Pensei comigo que acabara de testemunhar a primeira notícia local pós-moderna e vislumbrei a chamada: 'Uma mulher dirigindo seu carro enquanto falava ao telefone celular atropelou um homem correndo pela rua enquanto ouvia seu iPod. Ver página 6.' Certo, eu adoro ter muitos contatos e conectividade, mas, quando tantas pessoas que conhecemos - e muitas mais que não conhecemos - podem fazer contato conosco por e-mail ou celular, sinto-me esmagado nesta era da interrupção. Eu era muito mais dinâmico quando só podia fazer uma coisa de cada vez. Sei que não estou sozinho.

Há poucas semanas, eu tentava encontrar meu amigo Yaron Ezrahi em Jerusalém. Ligava para seu celular e não obtinha resposta. Acabei por encontrá-lo em casa. 'Yaron, o que há de errado com seu telefone celular?', perguntei.

'Foi roubado há alguns meses', respondeu ele, acrescentando que decidira não adquirir outro, pois os toques das chamadas do aparelho atrapalhavam constantemente sua concentração. 'Desde então, a primeira coisa que faço de manhã é agradecer ao ladrão e desejar-lhe vida longa.'


* Thomas L. Friedman, do The New York Times, Paris


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